– A diferença é muito grande, uns 60% a mais do que eu ganharia no estadual em Minas Gerais. No Brasil, por exemplo, quando você é um árbitro Fifa ganha um pouco mais, tem uma remuneração um pouco melhor, mas tem o problema de ser por jogo. Se eu trabalhar, beleza. Se eu não trabalhar, não ganho, posso ter algum problema físico, algum problema particular. Posso ter algum problema em um jogo que eu vou ter que passar por um treinamento, um período fora fazendo aprimoramento, então isso tudo interfere. Aqui [Emirados Árabes] vou ganhar em dólar.
– Se eu fizer uns dez jogos por mês no Brasil ou mais, fica praticamente equivalente ao valor que eu receberia aqui. Mas aqui ainda é um pouco mais, eu ganho um salário mensal. Se eu fizer um jogo, vou ganhar aquele salário. Se eu for apitar dez jogos, é aquele mesmo valor. A proposta surgiu agora, final do ano, em dezembro a gente não tem jogo. Então, praticamente fica cinco meses ganhando uma taxa muito menor porque são estaduais – explicou o árbitro.
Igor Junio Benevenuto - primeiro árbitro Fifa a se declarar gay revelou que ficou surpreso com a estrutura encontrada em Dubai. Segundo ele, os árbitros possuem um centro de treinamento e o acompanhamento de profissionais para aprimorarem as questões físicas e técnicas. Além disso, têm moradia e carro à disposição para facilitar os deslocamentos para os jogos.
– Gostei muito da estrutura de Dubai, muito bem organizado e grande. Eles possuem três campos de treinamento, estrutura para treinamento de árbitro de vídeo, vestiários, ginásio e tudo muito bem feito. Os árbitros estão sempre treinando, aprimorando. Aqui é um país pequeno, então eles conseguem concentrar os árbitros em um único local para treinar. O Brasil, por exemplo, é um país continental e isso dificulta a questão dos treinamentos. A Federação local aqui tem uma estrutura impactante, seria muito bom termos isso em cada federação local no Brasil para os árbitros poderem ter um instrutor perto e a CBF dar esse treinamento.
– Acho que o profissionalismo nesses países onde o árbitro tem um salário fixo, moradia, um carro à disposição, é muito importante porque dá uma tranquilidade muito grande de trabalho. Eu sei que ao final do mês, independentemente da quantidade de jogos, terei o meu salário. Você entrar dentro de campo sabendo que você teria que ir muito bem porque se não vai ficar sem receber, sem poder trabalhar... Às vezes o árbitro tem uma lesão, uma reciclagem e não ter essa garantia financeira para pagar as dívidas é muito ruim. Isso causa uma pressão interna, mental e muito maior que a torcida – disse Igor.
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Para apitar nos Emirados Árabes, Igor precisou pedir uma espécie de licença para a Federação Mineira de Futebol e a CBF. O árbitro garante que a liberação foi tranquila e considerada uma vitória por quem comanda a arbitragem nacional, mostrando o valor do profissional brasileiro no exterior.
– Inicialmente foi uma liberação muito tranquila, porque até conversei com um rapaz aqui que fez toda a parte de interlocução. Procurei o Seneme, foi uma conversa produtiva, se era o que eu queria e ficaria muito feliz porque mostraria a qualidade do nosso trabalho, assim como procurei o comando da arbitragem brasileira. E me disseram que tanto a CBF quanto a Federação Mineira estariam de portas abertas. A conversa foi bem sadia.
– A escolha dos brasileiros mostra a qualidade dos nossos árbitros. O Campeonato Brasileiro é um dos mais longos e difíceis de serem apitados no mundo. Percebo que as pessoas desvalorizam e sempre focam no lado negativo dos árbitros brasileiros e somos bem-vistos no mundo inteiro pela capacidade técnica, física, questão interpretativa do jogo e o pessoal só critica. Claro que precisamos evoluir, crescer e percebo que no Brasil isso é muito mais intenso – analisou Igor.
Debandada de árbitros?
Apesar de ser cada vez mais comum a exportação de árbitros de outras nacionalidades, uma debandada dos principais árbitros é vista pela classe como pouco provável. Além do alto custo para a contratação de profissionais renomados e que possuem escudo Fifa, a ideia inicial de países emergentes é uma troca de informações e experiências para capacitar os árbitros locais.
Igor Junio Benevenuto explica como funciona o intercâmbio e acredita que a arbitragem brasileira não corre risco de acabar sendo seduzida pelo mercado do exterior.
– Não existe nenhuma regra ou limitação de um árbitro apitar em outro país. O que sei é que se sou árbitro Fifa, sou árbitro do Brasil, mas se quiser transferir para Dubai não trago esse escudo Fifa, ele pertence ao Brasil. Não me limitam caso eu queria mudar, mas se ficar aqui um período longo a CBF vai fazer essa mudança, colocar uma outra pessoa e passar esse escudo. Ele não pertence ao Igor Junio Benevenuto, só me ajuda pela experiência que tenho como árbitro.
– Não acho que possa ter uma debandada, acho que são contratações específicas, árbitros que tenham experiência internacional, que tenham participado de competições internacionais para poderem levar para o país deles. Não é tão fácil você ter esse intercâmbio e essa mudança, eles querem árbitros específicos para ajudarem os árbitros iniciantes e a arbitragem deles crescerem. Uma debandada acho difícil, só se for uma proposta muito grande e especial para o árbitro fazer essa transferência – explica.
Na visão do árbitro, a possibilidade de fazer intercâmbio e ainda potencializar os ganhos em um período de menos jogos no Brasil foram os grandes atrativos para aceitar o convite de apitar nos Emirados Árabes.
– Os principais atrativos são a troca cultural de conhecimento e a possibilidade de abrir novos mercados. Você vai ali apitar bem, o pessoal gosta de você e pode fazer uma proposta. Claro que tem a parte financeira, que hoje é muito interessante, porque você ganha dólar.
– Essa questão da pressão em torno da arbitragem não foi uma questão, pois pressão acontece em todos os lugares. Aqui também existe pressão sobre a arbitragem, comissão... Em todos os lugares do mundo. É porque a gente vive muito dentro do Brasil, mas tanto campeonato europeu, francês, alemão, todos têm pressão sobre a arbitragem. Estou acostumado, sou árbitro há 26 anos e lido com essa pressão. Claro que muitas vezes passam do limite no Brasil, ultimamente a intolerância está muito grande, pancadaria, ataque em redes sociais já aconteceram comigo, mas questão de pressão não foi um dos fatores – finaliza Igor.